João Pires Cutileiro nasceu em Lisboa, em 26 de Junho de 1937, no seio de uma família da média burguesia conotada com sectores da oposição ao regime político de então. A mãe de João, Amália, era natural de Pavia (Alentejo), mas cedo foi viver para Évora, onde conheceu José Cutileiro, um eborense que acabou por se tornar seu marido. O casal teve três filhos e João é o segundo deles.
João Cutileiro teve uma infância e adolescência felizes, tendo viajado bastante por causa da profissão de seu pai, médico pertencente à Organização Mundial de Saúde. Assim, em 1941, a família vai viver para os Açores (Ilha Terceira), onde o pai, então médico militar, havia sido colocado. O regresso ao continente deu-se em 1943. Em Lisboa, a família Cutileiro vivia na Avenida Elias Garcia, numa casa frequentada por personalidades que desenharam o panorama intelectual português da altura: Celestino da Costa, Estrela Faria, Vieira da Silva, Abel Manta, Avelino Cunhal, Lopes Graça, António Pedro, entre outros. É este mesmo António Pedro que, em 1946, convida Cutileiro para ir desenhar para o seu atelier. Durante esta experiência de dois anos, o escultor aproveita para contactar com artistas, escultores e críticos ligados ao Surrealismo.
Entre 1949 e 1951, Cutileiro frequenta o estúdio de Jorge Barradas, onde modela, pinta e executa vidrado de cerâmica. Depois desta experiência, muda-se para o atelier de António Duarte, onde passa os dois anos seguintes como assistente voluntário de canteiro. É neste período que se dá a sua iniciação à pedra pois o seu trabalho era o de ampliar os modelos do mestre canteiro (o mestre José), passá-los a gesso e traduzir esses gessos para o mármore. Aos catorze anos, em 1951, Cutileiro faz a sua primeira exposição individual, em Reguengos de Monsaraz (Alto Alentejo), numa loja de máquinas de costura, apresentando peças de escultura, cerâmica, aguarelas e pinturas.
João Cutileiro frequentou o Colégio Valsassina onde, influenciado pelos amigos e pelo ambiente que se respirava em sua casa, decide ingressar no MUD juvenil. A sua face política mostra-se novamente mais tarde, nos anos 60, quando passa pelo Partido Comunista: porém, entra e rapidamente sai, porque a "célula" a que pertencia se desfez e os contactos se perderam.
Em 1951, quando ia a caminho de Cabul (Afeganistão), onde seu pai esteve a trabalhar durante um ano, João Cutileiro passa por Florença, onde toma contacto com a obra de Miguel Ângelo. Foi uma visão que não mais esqueceu e que o ajudou a decidir-se pela escultura (certeza essa que teve aos seis anos de idade, quando esculpiu um presépio). Ao regressar de Cabul, matriculou-se na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), sendo aluno de Leopoldo de Almeida.
A frequência de apenas dois anos nesta escola (1953-1954) foi suficiente para lhe provar o que há muito suspeitava: em Portugal, qualquer pesquisa era travada e o bronze era o único material considerado "digno" para escultura. Não havia espaço para a criatividade e para o experimentalismo que tanto caracterizam a sua personalidade artística. Constrangido pela mentalidade portuguesa, Cutileiro decide sair do país. É então levado pela mão de Paula Rego até à londrina Slade School of Art. Durante o curso que fez em Londres, entre 1955-1959, Cutileiro não só enriquece a sua formação, como desenvolve a sua experiência. De grande importância nesta fase foi Reg Butler, seu mestre de escultura, asim como Henry Moore, um dos nomes que marcará os escultores da nova geração. No ano em que terminou o curso, Cutileiro recebeu três prémios: composição, figura e cabeça.
Em Londres, onde permaneceu grande parte do seu tempo, Cutileiro casa pela primeira vez, divorcia-se e casa segunda vez, sendo deste segundo casamento que nasceram o Tiago e o João, os seus dois filhos. Nessa altura, Cutileiro viveu um período difícil, não só devido a circunstâncias económicas como também por sentir necessidade de cortar o cordão umbilical que o mantinha muito ligado ao seu grande mestre (Reg Butler). Da sua procura de um caminho próprio resultaram as suas primeiras figuras articuladas (1964).
Em 1966, Cutileiro começa a usar máquinas elétricas de corte da pedra, o que lhe permitiu dedicar-se exclusivamente ao mármore. Começam então a surgir, sucessivamente, os torsos, as paisagens, as caixas, as árvores e as flores.
Entre 1961 e 1971, expôs cinco vezes em Lisboa e uma no Porto. 1970 foi o ano do regresso definitivo a Portugal, tendo escolhido Lagos, no Algarve, para viver. Aí permaneceu por mais quinze anos da sua vida, tendo iniciado cursos de escultura no Centro da Pedra. No atelier de Lagos, Cutileiro empenhou-se na construção das suas primeiras figuras bífidas e da obra mais polémica de toda a sua vida: o "D. Sebastião", erguido na cidade de Lagos, na praça Gil Eanes.
João Cutileiro assume-se como membro da classe burguesa intelectual e tem consciência de que qualquer classe social tem um padrão de gosto que lhe é próprio. Por isso, não espera que as pessoas de um grupo social diferente gostem das suas peças, aceitando com naturalidade a incompreensão e a crítica de que elas são alvo. O seu "D. Sebastião" recebeu críticas ferozes, mas também elogios rasgados por ter posto um ponto final no academismo da escultura do Estado Novo. Por provocação, Cutileiro declarou que tinha abandonado a criação artística para se tornar "um fazedor de objetos decorativos destinados à burguesia intelectual do ocidente". Com esta frase irónica, que Cutileiro compara ao "só sei que nada sei" de Sócrates, quis ridicularizar todos os que menosprezavam a sua escultura ou que se julgavam mais escultores do que ele. É que, segundo o próprio, toda a arte tem uma função decorativa, logo, todos os escultores são manufactureiros de objetos decorativos, não se percebendo o porquê do espanto.
Em 1971, o escultor conquistou uma menção honrosa no Prémio Soquil, em Lisboa. Em 1975, explorou a possibilidade do mosaico como forma de reutilização de desperdícios de mármore. Participou em exposições internacionais, designadamente na Alemanha, em Madrid, Londres, S. Paulo, Nova Iorque. Em 1976 e 1977, as suas esculturas e mosaicos foram apresentados em Wuppertal (Alemanha). Seguiram-se exposições em Évora (1979, 1980 e 1981) e em Dortmund (Alemanha), em 1980. Este ano ficaria ainda marcado por uma exposição em Washington e outra na Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa). No ano de 1981, Cutileiro participou no Simpósio da Escultura em Pedra, em Évora, e numa exposição realizada na Jones Gallery, em Nova Iorque. Em 1983, inaugurou a estátua “Camões”, em Cascais.
Dois anos depois, o escultor decidiu mudar-se para Évora. Nesta cidade, na sua própria casa, está exposta boa parte da obra multifacetada do escultor. O contacto diário com as coisas que produz permite-lhe uma análise sistemática do que vai fazendo, do caminho a seguir, daquilo que é preciso acrescentar ou do excesso a tirar, quando repete um tema.
Dos vários temas desenvolvidos pelo escultor, o dos corpos femininos é o mais marcante. "As Meninas de Cutileiro", como alguns lhes chamam ironicamente, têm valido ao escultor momentos da mais distinta glória, mas também do mais visível desprezo.
Em 1988, Cutileiro realiza exposições em Lisboa, Macau e Almansil. Em 1989, expõe novamente em Lisboa e Almansil e, em 1990, decide fazer uma retrospectiva da sua arte, através de uma exposição ontológica, realizada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian. Desta exposição ficou-lhe a desilusão de só ver mostrada uma pequena parte da sua obra e a amarga compreensão de que jamais poderia realizar o sonho de reunir, de uma só vez, tudo aquilo que produziu ao longo do tempo. Em 1992 e 1993, o mestre Cutileiro volta a realizar mais exposições individuais, em Bruxelas, Almansil, Luxemburgo, Évora, Lisboa, Guimarães e Lagos. Nos anos seguintes sucedem-se outras exposições.
Não gosta de planear o que vai fazer porque, segundo ele, “o desenho da obra passa pela maneira de a fazer e a maneira de a fazer passa por fazê-la no momento”, por isso não faz quaisquer estudos preliminares. Quando contacta com a pedra, são o escultor, a máquina e a própria pedra que resolvem como trabalhar.
Cutileiro encarna, por isso, a definição de escultor que Alberti deu no século XV: revelar a imagem que vê no bloco de pedra, através da remoção do supérfluo. Esse é o seu método de trabalhar a pedra.
Referência:Magazine - João Cutileiro. [em linha]. Lisboa, 2020 [Consultado em 29.06.2020. Disponível em WWW <URL: https://www.p55.pt/blogs/p55-magazine/joao-cutileiro#>